BART 6221/74 - A HISTÓRIA DO BATALHÃO DE ARTILHARIA 6221/74 - ANGOLA 1975

quinta-feira, 26 de junho de 2014

AS IDADES DE UM GAJO...

AS IDADES DE UM GAJO...

Caríssimos amigos, como estou a contar encontrar-me com alguns de vós no próximo sábado (28 de Junho) em Peraboa, decidi publicar aqui algumas fotos - na sequência do que tenho publicado na minha página do Facebook (https://www.facebook.com/jorgemachadodias): com o título As Idades de Um Gajo. São fotos com cerca de 40 anos de diferença - todos nós ficamos diferentes - e eu quis documentar essas diferenças.

Aqui ficam portanto algumas fotos minhas, de 1975 e actualmente para, quando me virem em Peraboa, não pensarem logo "quem é este masturso"? Ficam assim a saber que sou eu!! O grande problema, para mim, vai ser eu próprio reconhecer-vos!!!

Janeiro de 1975 (Porto) - BI militar...

Agosto de 1975 - Nova Lisboa...

Março de 2013 - Gazeta das Caldas...

Junho 2014 - Festival de BD de Beja...

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quarta-feira, 25 de junho de 2014

PESQUISA DE NOMES DO BART 6221/74 - O EX-CAPITÃO GUERREIRO


Devido à questão levantada pelo José Manuel Silva no comentário publicado ontem, ao post OS RELATÓRIOS DO COMANDANTE DO BART 6221/74 E DO COMANDANTE DA 2ª CART DO BART 6221/74 SOBRE A VIAGEM LUSO – NOVA LISBOA, em que diz: “O cap. Guerreiro também será um elemento chave em todas estas questões”, fui à procura do referido capitão Guerreiro (de nome completo Paulo José Pereira Guerreiro, segundo a listagem de nomes que me foi fornecida pelo Arquivo Geral do Exército). As escassas (mas suficientes para o que nos interessa) informações que encontrei dão conta de que aquele Capitão do quadro permanente, que pertencia à CCS do BART 6221/74, era em Janeiro de 2000, Comandante do Regimento de Infantaria n.º 2, com a patente de Coronel. Por outro lado, outra fonte informa que veio a falecer em Timor-Leste, em missão da UNMISET [United Nations Mission of Support in East Timor], no dia 8 de Setembro de 2002, com a patente de Brigadeiro-General – uma patente que, segundo me informaram, já não se usa actualmente. Não há informação em que condições ocorreu o falecimento, se em combate, em acidente, ou por causas naturais...

De referir que na pesquisa de nomes na internet este foi o único Paulo José Pereira Guerreiro que encontrei, pelo que as informações – que reproduzo abaixo – me parecem fiáveis.

Portanto, caríssimo Silva, não vamos poder obter qualquer infomação do ex-Capitão Guerreiro, infelizmente. No entanto esse teu relato mais pormenorizado sobra a viagem da coluna auto do Luso para Nova Lisboa é fundamental para o livro, uma vez que não segui com a coluna auto e só sei aquilo que reporta o relatório do cap. Figueiredo – o que, temos de confessar, é muito pouco! Espero portanto esse teu texto para o incluir na narrativa.

Eis os Documentos referidos acima:

DESPACHO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA
(in www.legislação.org em 16 de Fevereiro de 2000)

Despacho n.º 3773/2000 (2.ª série). - Subdelegação de competências no comandante do Regimento de Infantaria n.º 2. - 1 - Ao abrigo da autorização que me é concedida pelo n.º 3 do despacho n.º 173/2000, de 26 de Novembro de 1999, do general CEME, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 3, de 5 de Janeiro de 2000, subdelego no comandante do Regimento de Infantaria n.º 2, coronel Paulo José Pereira Guerreiro, competência para autorizar despesas com empreitadas de obras públicas e aquisição de bens e serviços, com cumprimento de formalidades legais, até 1000 contos.
2 - Autorizo a subsubdelegação no 2.º comandante, se assim for entendido.
3 - Este despacho produz efeitos a partir de 25 de Outubro de 1999, ficando por este meio ratificados todos os actos entretanto praticados.
10 de Janeiro de 2000. - O Comandante da Região Militar do Sul, Joaquim Manuel Martins Cavaleiro, tenente-general.

MILITARES PORTUGUESES MORTOS EM MISSÕES DE PAZ E HUMANITÁRIAS
(in Revista Militar online nº 2447, de Dezembro de 2005)

Desde 1992, ano em que se verificou a primeira vítima mortal fruto da participação numa operação de carácter humanitário em Angola e S. Tomé e Príncipe, as Forças Armadas Portuguesas já registaram 14 vítimas mortais:

- 30Nov1992 – Soldado Pára-quedista Fernando Sérgio da Silva Teixeira/BP21/BOTP2/CTP (S. Tomé e Príncipe);
- 30Nov1995 – Primeiro-Sargento Américo de Oliveira Dias/CTM 5-UNAVEMIII (Angola);
- 24Jan1996 – Primeiro-Cabo Pára-quedista Alcino José Lázaro Mouta – DAS/BAI/IFOR (Bósnia-Herzegovina);
- 24Jan1996 – Primeiro-Cabo Pára-quedista Rui Manuel Reis Tavares – DAS/BAI/IFOR (Bósnia-Herzegovina);
- 22Set1996 – Cabo-Adjunto Manuel António Janeiro Gonçalves – CLog 6/UNAVEM III (Angola);
- 06Out1996 – Primeiro-Cabo Pára-quedista José da Ressurreição Barradas – 3º BIAT/BAI/IFOR (Bósnia-Herzegovina);
- 06Out1996 – Soldado Pára-quedista Ricardo Manuel Borges Souto – 3º BIAT/BAI/IFOR (Bósnia-Herzegovina);
- 26Jun1998 – Capitão da Guarda Nacional Republicana, Álvaro José Garcia Costa – MONUA (Abidjan – Costa do Marfim);
- 03Out2000 – Primeiro-Sargento Pára-quedista José Vitorino dos Santos Moreira Fernandes – 2BIPara/BAI/UNTAET (Timor-Leste);
- 03Out2000 – Soldado Pára-quedista José Miguel Gonçalves Lopes – 2BIPara/BAI/UNTAET (Timor-Leste);

- 08Set2002 – Brigadeiro-General Paulo José Pereira Guerreiro – UNMISET [United Nations Mission of Support in East Timor] (Timor-Leste);

- 12Out2002 – Soldado Pára-quedista Diogo Manuel Dantas Ribeirinho – 2ºBIPara/BAI/UNMISET (Indonésia);
- 24Mar2003 – Primeiro‑Marinheiro Fuzileiro António José da Silva Nascimento – CFz21/UNMISET (Timor-Leste);
- 16Jul2004 – Soldado Pára-quedista Ricardo Manuel Pombo Valério – 3ºBIPara/BAI/SFOR (Bósnia-Herzegovina);
- 18Nov2005 – Primeiro-Sargento Comando João Paulo Roma Pereira – 2ªCCMDOS/RI 1/ISAF (Afeganistão);
- 24Nov2007 – Soldado-Pára-quedista Sérgio Miguel Vidal Oliveira Pedrosa – 22ª CParas/2BIPara/RI 10/BRR/ISAF (Afeganistão);
- 16Mar2010 – Primeiro-Cabo José Luís Madeira Bernardino – 1º BIMec/BrigMec/KTM/KFOR (Kosovo);
- 21Jun2010 – Sargento-Ajudante Hermenegildo Marques – Subagrupamento Bravo/GNR/UNMIT (Timor-Leste).
- 13MAR2012 – Alferes Infantaria Daniel João Varela Simões – Subagrupamento Bravo/ GNR (12º Contingente) UNMIT (Timor-Leste)

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terça-feira, 24 de junho de 2014

CRONOLOGIA


CRONOLOGIA

Esta cronologia não está completa. Faltam alguns (muitos) pormenores que terão de vir a ser acrescentados. Contudo, o meu ponto de partida são os meus dados pessoais desde que “assentei praça” em 23 de Abril de 1974 em Santarém, até ao desembarque em Figo Maduro – vindo de Luanda – em (não me recordo da data – dia a pesquisar) de Outubro de 1975. As fotos que acrescento são também as pessoais, em alguns aspectos anteriores à estadia em Angola.

Mas como nesta narrativa, o que me interessa relatar são os enquadramentos nos dados históricos – a História acima de tudo – tendo como ponto central de partida a História do BART 6221/74, faltam ainda muitos outros dados para completar esta Cronologia. Espero conseguir, com a ajuda de todos os eventuais interessados, determinar uma datação correcta e precisa do que foram aqueles meses de Maio a Outubro de 1975 em Angola...

Ficam também, no final deste post, as capas dos livros a ler sobre a descolonização. Acrescentei o “Homenagem à Catalunha” de George Orwell, que comprei em Luanda quando lá chegámos (na fase de “descontracção em Luanda, cervejarias, praia, etc...”) e, como era o único livro que tive na estadia em Angola, li-o talvez umas quatro ou cinco vezes – tendo sido portanto, o meu “livro fetiche” dessa fase – agora estou a relê-lo, em nova edição (a edição que tinha em Angola ficou no espólio da minha primeira (e única, de “papel passado”) esposa – coisas dos divórcios...

VEJAMOS ENTÃO:

23 Abril 1974 – Início da Recruta em Santarém – Centro de Instrução da Escola Prática de Cavalaria.

25 Abril 1974 – De madrugada, depois de ouvirmos a barulheira dos Panhards na rua fronteira ao quartel de recrutamento, fomos informados pelo Sargento de Dia, que tinhamos que recolher a casa com licença extraordinária até domingo, dia 28 – porque “estamos em guerra”.

24 de Abril de 1974 - primeiro "engraxar de botas"...

Maio de 1974 na caserna...

Instrução de campo - Santarém...
Semana de campo em "Vale de Cavalos" - Santarém...

3 Julho 1974 – Final da Recruta

8 Julho 1974 – Início da “Especialidade” (Atirador de Infantaria) – CISMI (Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria), quartel de Tavira.

CISMI em 1974...

18 Setembro 1974 – Final da “Especialidade”

Outubro de 1974 – Como 2º Furriel Miliciano: Quartel de Paramos (Espinho) Grupo de Artilharia Contra Aeronaves Nº. 3 – início da Formação do Batalhão de Artilharia 6221/74

No quartel de Paramos...


02 Novembro 1974 – Militares pertencentes ao Batalhão de Caçadores 4519/73,estacionados na área do Belize e comandados pelos seus comandantes de companhia, avançam em coluna militar, sobre Cabinda. No terreno encontravam-se também elementos do Batalhão de Artilharia 6524 (BART 6524/74) que tinham vindo para Cabinda no dia anterior e elementos do Bat.Caç.4913/73, que foram os ultimos a aderir ao movimento.

Esta força combinada ocupa pontos estratégicos da cidade de Cabinda, alegadamente para travar as actividades desenvolvidas pela Frente de Libertação Enclave de Cabinda(FLEC), prendendo o Comandante do Sector de Cabinda, brigadeiro Manuel Themudo Barata, o seu chefe de Estado-Maior, coronel Mendonça, ex-comandante do B.Caç. 4611/72 que estava colocado no Subsector do N’Tó, e mais doze oficiais do Exército Português, com funções no Comando do Sector CAB, que ficaram detidos num gabinete do sector, guardados por elementos do MPLA.

In Breve Historial – Batalhão Caçadores 4913/73
- esta questão tem, eventualmente, a ver com a chegada do Furriel João Alagoinha ao BART 6221/74, castigado por ter participado na referida acção, não sei em que Batalhão (estou à espera de informação do próprio).

Janeiro de 1975 – Como 2º Furriel Miliciano: Especialidade/Formação do Batalhão 6221/74 – Quartel do Regimento de Artilharia Nº 5, Serra do Pilar (Vila Nova de Gaia)

"Sargento de dia" no Regimento de Artilharia Nº 5, Serra do Pilar (Vila Nova de Gaia)

15 Janeiro 1975 – Assinatura dos Acordos de Alvor

Maio de 1975 – Viana do Castelo – Como 1º Furriel Miliciano – Reunião/Formalização do Batalhão 6221/74 – preparação do embarque para Angola.

Maio de 1975 – Aviões soviéticos, vindos do Uganda, aterraram no Luso e desembarcam armamento destinado ao MPLA

15 Maio 1975 – Aeroporto militar de Figo Maduro (Lisboa) – Embarque para Luanda à tardinha

16 Maio 1975 – Desembarque em Luanda, de manhã. Reunião do Batalhão no Campo Militar do Grafanil

Descontracção em Luanda, cervejarias, praia, etc...

"Descontracção" nas cervejarias de Luanda...

19 Maio – Partida de Luanda para Luso – incidente antes de Dondo (6 mortos) – Aguardo ansiosamente o depoimento do ex-furriel de transmissões Humberto Silvano, para saber exactamente o que se passou!!! Isto porque eu fui, com o ex-furriel enfermeiro (também fotógrafo profissional) Mário Lopes, no jeep Willys mais à frente da coluna até vila Dondo. Quando, ao fim de uma hora e tal verificámos que a coluna não chegava, resolvemos voltar para trás e demos com o espectáculo do acidente... Mas não sei exactamente o que se passou, além de ter sido dado como "morto", algum tempo mais tarde (já em Nova Lisboa)...


Fotos de Mário Lopes...

21 Maio – Chegada a Luso para render o BCaç 4910/74

12 Junho 1975 – Início dos combates entre o MPLA – FNLA – UNITA em Henrique de Carvalho (Saurimo)

Fotos tiradas por mim...

15 a 22 Junho – Cimeira de Nakuru sem representação portuguesa (Entretanto houve informação de que, na sequência da viagem de Iko Carreira a Moscovo, cargueiros soviéticos tinham chegado ao porto de Ponta Negra no Congo-Brazzaville onde descarregavam grandes quantidades de material de guerra destinado ao MPLA).

Semana da Unidade.

Julho – Soldados cubanos começam a desembarcar em Luanda para apoio do MPLA.

9 Julho – Rebentam incidentes em Luanda FNLA/MPLA – início da Batalha de Luanda

11 Julho – MPLA expulsa FNLA de Luanda.

25 Julho – Dois militares portugueses são desarmados e feridos pelo MPLA (onde?)

26 Julho – O Exército Português ataca a delegação do MPLA de Vila Alice e faz 16 mortos

29 Julho – Violentos confrontos entre o MPLA e a FNLA no Luso

 Confrontos MPLA - FNLA no Luso. Fotos de Mário Lopes...

A UNITA retira-se de Luanda

30 Julho – O exército do Zaire entra no Norte de Angola para a poiar a FNLA

2 Agosto – Toma posse com Alto Comissário e Governador-Geral Interino Ernesto Ferreira de Macedo, substituindo António Silva Cardoso
3 Agosto – Chega ao Luso o Comandante do BART 621/74, Tenente Coronel João Manuel de Faria M. Amaro

X de Agosto – Retirada das tropas portuguesas de Silva Porto (actual Kuito) – (ignoro o dia exacto - data a pesquisar)

X de Agosto – Retirada das tropas do AB4 (Aeródromo Base 4) de Henrique de Carvalho (Saurimo) – ignoro a data precisa - a consultar o Major Vitor Santos Nunes...


9 Agosto – Forças militares da África do Sul invadem Angola para apoiarem a UNITA

11 Agosto – MPLA expulso de Nova Lisboa pela UNITA e FNLA – elementos do MPLA ficam à guarda das tropas portuguesas

12 Agosto – Partida do Luso da coluna auto para Nova Lisboa, escoltada pela 2ª Companhia do BART 6221/74

UNITA e FNLA expulsam o MPLA de Moçamedes

15 Agosto – Combates do MPLA contra UNITA no Luso e Lobito – MPLA expulsa adversários do Lobito
17 Agosto – UNITA expulsa do Luso, concentra-se em Chicala

Partida do comboio para Nova Lisboa – assaltado pela UNITA em Chicala, tropa portuguesa desarmada

Coluna auto assaltada pela UNITA e desarmada perto de General Machado (actual Camacupa)

18 Agosto – Chegada da coluna auto a Nova Lisboa

19 Agosto – Chegada do comboio a Nova Lisboa

Tropas da África do Sul entram em Angola por Calueque e tropas do Zaire por Negaje

MPLA atinge o Dande

26 Agosto – Confrontos MPLA – UNITA na Jamba

26 Agosto FNLA chega a Quinfandongo. Leonel Cardoso toma posse como Alto Comissário e Governador-Geral de Angola em conjunto com o General Heitor Hamilton Almendra como Comandante Chefe adjunto, das Forças Armadas em Angola.

1 Setembro – FNLA mata um oficial português e prende 3 praças

7 Setembro – Violento discurso de Savimbi contra o governo português

11 Setembro – Ofensiva do MPLA até aos Libombos

21 Setembro – FNLA retoma Caxito

24 Setembro – Desembarque de tropas cubanas em Luanda

X Setembro – Eventual (não me recordo bem se era de facto ele) presença do General Almendra no nosso aquartelamento em Nova Lisboa, para nos convencer de que tínhamos que viajar para Luanda sem armas!!!

24 Setembro – Termina a Ponte Aérea “Nova Lisboa-Lisboa”.

30 Setembro – BART 6221/74 evacuado para Luanda

Embarque para Luanda...

(?) Partida para Lisboa

Nota: os acontecimentos sublinhados em "azul" não fazem parte da minha cronologia original, e que foram sendo acrescentados! Já agora acrescento de que gostaria de ter fotos de outros antigos camaradas, que podem enviá-las para o email bdjornal@gmail.com!!!

  
  

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sábado, 21 de junho de 2014

OS RELATÓRIOS DO COMANDANTE DO BART 6221/74 E DO COMANDANTE DA 2ª CART DO BART 6221/74 SOBRE A VIAGEM LUSO – NOVA LISBOA


OS RELATÓRIOS DO COMANDANTE DO BART 6221/74 E DO COMANDANTE DA 2ª CART DO BART 6221/74 

SOBRE A VIAGEM LUSO – NOVA LISBOA
A 2ª CART do BART 6221/74 saiu do Luso a 12 de Agosto, como escolta da coluna auto-transportada, de refugiados civis para Nova Lisboa e o BART 6221/74 saiu do Luso em comboio às 19 horas do dia 17 – com centenas de civis a bordo, milhares de armas e de toneladas de munições pertencentes à OPVDC [Organização Provincial de Voluntários e Defesa Civil], à Polícia e aos Caminhos de Ferro de Benguela, cobiçadas pelos movimentos de libertação, em especial pela UNITA, que não recebia armas do exterior – a FNLA recebia-as do Zaire e EUA e o MPLA da União Soviética e de Cuba – num comboio com 50 vagons puxados por duas locomotivas. Era uma coisa com quase um quilómetro de extensão...

Eis os Relatórios do Comandante do Batalhão, Tenente-Coronel de Artilharia João Manuel De Faria M. Amaro e do Capitão Milton da Costa Figueiredo (Comandante da 2ª CART) mas reportado ao Comando do Batalhão.

Devo dizer que fiquei com cópias destes relatórios porque (já não me recordo porquê) fui eu que os passei à máquina.

Distância entre Luso (à direita) e Nova Lisboa (à esquerda) - assinaladas pelos círculos a vermelho - comparativamente à dimensão do território angolano

Pormenor do mapa anterior mostrando apenas o trajecto 
- a linha férrea está assinalada a vermelho (traço mais grosso).

 

REGIÃO MILITAR DE ANGOLA
C T LIS
BATALHÃO DE ARTILHARIA N° 6221/74


Relatório sobre os acontecimentos que culminaram com o desarmamento do BART 6221/74 e saque do comboio que o transportava do LUSO para NOVA LISBOA.

1. ANTECEDENTES

a) A MINHA CHEGADA A LUANDA


A minha chegada a Luanda, em trânsito para o Luso onde ia assumir o Comando do BART 6221/74, verificou-se em 29 de Julho de 1975 [o BART 6221/74 já se encontrava no Luso desde 21 de Maio].

Após os necessários contactos nas REP/QG onde me procurei inteirar da situação geral em Angola e particularmente da situação politica-militar no LUSO, apenas um facto concreto me foi dado concluir: que era urgente retirar o «Batalhão daquela cidade e fazê-lo che­gar a Nova Lisboa».

Requisitada a minha passagem para o Luso, esta só se viria a efe­ctivar no dia 3 de Agosto por a situação local não garantir a segurança dos aviões TAAG que por isso cancelaram os seus vôos para o Luso até àquela data.

b) SITUAÇÃO DO BART 6221/74 À DATA DA MINHA CHEGADA

O BART 6221/74, sedeado no Luso, encontrava-se aquartelado nas dependências da Base Aérea (1ª e 3ª Carts), num quartel próximo do aeroporto, junto ao quartel das F.I. (CCS), estando a outra Compa­nhia (2ª CART) aquartelada no centro da cidade, próximo do edifício onde estava instalado o Comando do Batalhão (antigo Comando Mili­tar do Luso).

As 1ª, 2ª e 3ª CARTS, embora com os efectivos reduzidos por moti­vos dos amparos, tinham os seus quadros de graduados sem faltas apreciáveis, não havendo, sobre elas problemas de maior a referir. Já quanto à CCS notei de imediato graves problemas de carácter disciplinar que se poderiam agudizar se não fossem tomadas imedia­tas medidas preventivas.

As causas dessa situação situavam-se numa fraca actuação de Comando, pois o Comandante da Companhia, um Capitão do QSG, era uma pessoa doente, que nessa altura regressava de licença de Portugal, cuja acção parece que nunca se fez sentir junto do pessoal e que nunca teve a devida ajuda do restante pessoal graduado da Companhia. Este Oficial foi evacuado por motivo de saúde, dias depois, para Luanda.

A situação desta CCS obrigou pois a que o Comandante e o Oficial de operações do Batalhão, à falta de outros, desviassem parte das suas preocupações para a CCS.

Por sua vez, o Comando do Batalhão, quanto a Oficiais, estava reduzido ao Comandante Interino, que era na altura o Cap. Guerrei­ro, o Oficial de operações do Batalhão, e a um Tenente do QSG, que tinha a seu cargo a Sec. Transportes, que inteiramente o absorvia.

O 2º Comandante do BART, Major Pestana, estava de licença em Portu­gal e o Major Machado, apresentou-se de licença na mesma data da minha apresentação, mas apenas por breves dias, pois logo a 06 Ago baixou ao HML sendo posteriormente evacuado para Portugal. De uma maneira geral e tirando a CCS, o estado de disciplina do Bata­lhão não me impressionou mal, observado sob uma óptica actual o comparativa com o que infelizmente se vê por todo o lado no nosso Exército.

Sob o ponto de vista operacional não tive ocasião de avaliar a sua preparação, e que agora posso dizer que não destoa do que, uma vez mais, infelizmente, é timbre da generalidade das nossas unida­des: muito fraca.

SITUAÇÃO GERAL NO LUSO

(1) MOVIMENTOS DE LIBERTAÇÃO

No Luso em 03 de Agosto, após os confrontos anteriores entre o MPLA e a FNLA, depois dos quais este Movimento foi finalmente forçado a abandonar a cidade, a situação continuou tensa ante a previsível confrontação entre a UNITA e MPLA, ambos desejosos de dominar uma posição, de grande importância estrategica para as ambições daqueles dois movimentos, como é a da Capital do Moxico.

Previa-se que um confronto entre os dois movimentos fosse violento, prolongado e de desfecho indeciso. Durante a minha permanência no Luso, cerca de duas semanas, esses Movimentos não deixaram de aumentar os seus efectivos e o seu potencial de combate.

O ambiente tornava-se cada dia mais tenso, os boatos de uma confrontação iminente eram constantes e frequen­tes incidentes noturnos perturbavam a vida da população.

O Comando, especialmente através do Capitão Guerreiro, o Oficial que na altura melhor conhecia os problemas e as pessoas, manteve-se em contacto quase permanente com os Movimentos, procurando informar-se e, dentro do possível, evitar confrontações. Sabia-se de antemão que era uma tarefa votada ao fracasso, pois não seria a nossa intervenção que evitaria o inevitável, mas tentou-se sempre exaustivamente, pelo menos procurava-se ganhar tempo.

Resta acrescentar que durante a minha estadia no Luso, as relações entre as NT e os Movimentos se mantiveram sempre num ambiente de compreensão e respeito mutuos. O que mais nos surpreendeu pela atitude tomada dias depois.

O PROBLEMA POPULAÇÃO

A 03 de Agosto de 1975, num domingo, desembarquei no Luso. Nesse mesmo dia estabeleci os primeiros contactos com os Oficiais do Batalhão e logo, pela primeira vez, me apercebi da existência de um problema de extrema acuidade, que nem sequer fora aflorado em Luanda e que durante os restantes 14 dias que permaneci no Luso, não mais deixou de estar na primeira linha das minhas preocupações e que decisivamente condicionou a actuação do Batalhão durante todo o processo: trata­va-se do problema da população do Luso que certamente não deixaria de querer ser retirada logo que se anunciasse a saída do Batalhão.

Logo na terça-feira, dia 5, contactei o encarregado do Governo do Distrito a quem, na presença do respectivo secretário e do Major Machado, expus a intenção das Autoridades Mili­tares de retirarem o Batalhão do Luso no mais curto prazo e da necessidade de fazer constar entre a população essa decisão e aconselhar ao mesmo tempo as Autoridades Administrativas, a tomarem providências imediatas, para fazer face à retirada das pessoas interessadas, que certamente não deixa­riam de aparecer em número elevado.

No dia seguinte contactou comigo uma comissão de moradores que, intitulando-se representativa da população do Luso, dizia pretender organizar uma coluna auto que tentaria atingir Nova Lisboa, para o que dispunha de 2 máquinas nivela­doras da Empresa Tecnil e pessoal empecializado na re­paração das estradas e apenas pedindo escolta militar. Obtida nesse dia autorização do CTLIS, foi de imediato comunicado à referida comissão a decisão de dar escolta à coluna e que a mesma, dada a urgência da saída do Batalhão e da premência provocada pela tensão entre os Movimentos, deveria estar pronta a sair na sexta-feira dia 8.

Entretanto, na quinta-feira, dia 7, fui contactado por uma outra comissão à frente da qual se encontrava o secretá­rio do Governo do Distrito a qual, negando representatividade à anterior, veio manifestar a estranheza da população do Luso, pela súbita (para eles) decisão da retirada dos militares, não dando tempo às populações da região para eva­cuar os seus haveres ou, no minimo, se concentrarem.

Foi-lhes explicado o imperativo da ordem recebida, motivada por razões de ordem politico-militar prementes, ordem entretanto confirmada por rádio do CTLIS considerando “imperiosa e urgentíssima a retirada do Batalhão”. Deste encontro ficou combinada uma reunião da população no Palácio do Comércio, para essa mesma noite, a fim de discutir a organização da coluna e marcar uma data para a sua saída.

Nessa reunião, que foi um triste espectáculo de ataques pessoais, ao Governo e ao Exército, numa perfeita demonstração dos mais baixos instintos humanos, de interesses pessoais mesquinhos a sobreporem-se ao colectivo e de declaradas opções partidárias, chegou-se ao despudor de acusar o Comandante do Batalhão de alarmista, pois, no dizer des­ses senhores, nada justificava a saída precipitada da população já que o clima de vivência entre os movimentos instalados na cidade, não tornava a situação alarmante.

Como tudo se discutia e tudo se atacava, sem deixar margem para dis­cutir o que ali nos levara, os militares presentes retiraram-se, garantindo estar prontos a continuar a discussão mas apenas com uma comissão eleita pelos moradores e para o fim que ali nos levara: a organização duma coluna auto da população civil interessada em deixar a cidade com escolta militar.

Essa comissão que foi eleita nessa mesma reunião, contactou o Coman­dante do Batalhão no dia seguinte, tendo ficado assente a organização da coluna e a sua saída do Luso na madrugada do dia 12, numa terça-feira.

Essa coluna, que por intrigas, pressões e certamente promessas de vária ordem não chegou a ter a dimensão que se esperava, saiu efe­ctivamente do Luso às 05H30 desse dia 12, integrando cerca de 200 viaturas e 300 pessoas, números que foram aumentando durante a viagem, sob escolta da 2ª CART/BART6221/74.

PROBLEMA ARMAMENTO

Entretanto e simultaneamente o Comando do Batalhão ia organizando a saída via CF dos restantes elementos do Batalhão.

Só então dei conta de outro problema gravissimo para a retirada em paz do Batalhão e que era a existência, à sua guarda, de alguns milhares de armas e de toneladas de munições pertencentes à OPVDC [Organização Provincial de Voluntários e Defesa Civil], à Polícia e aos Caminhos de Ferro de Benguela, material cobiçado pelos Movimento de Liber­tação, em especial pela UNITA que já anteriormente à minha chegada, assaltara uma arrecadação da CCS de onde levara uma centena de armas (Mauser, na sua maioria).

Para além deste material, fora deixado à responsabilidade do Batalhão algumas dezenas de sacos de fardamento que era destinado às Companhias Integradas que não se chegaram a formar, material de Aquartelamento da Força Aérea em estado impecável, caixotes de militares de outras uni­dades que passaram pelo Luso e que deixaram ao Batalhão o encargo e a responsabilidade do seu transporte, enfim, uma terrível sobrecarga para uma Unidade que era obrigada a retirar urgentemente sob a pressão de ordens superiores e de acontecimentos gravíssimos que de um dia para o outro poderiam pôr em causa a sua saída do Luso, a não ser recorrendo a grandes recursos.

Este problema das armas e munições e a cobiça que elas despertavam à UNITA, foi exposto ao CTLIS e pedida protecção adequada ao comboio, inclusive de meios aéreos. O Comando do Batalhão nunca chegou a ter resposta a esta proposta. Pedi um avião para me deslocar a Nova Lisboa, onde pretendia de viva voz expor todos os problemas que nos afligiam, pois os considerávamos de extrema gravidade, mas essa oportunidade foi-me negada.

Sem pretender atingir pessoas, seja-me permitido manifestar o meu profundo desgosto pelo abandono a que me senti votado como Coman­dante do Batalhão na breve estadia no Luso.

Não estou aqui a fazer a minha defesa, relato cronologicamente os acontecimentos, mas é-me impossível deixar de pôr uma nota de amar­gura pela forma, tão de ânimo leve, como foram encaradas superior­mente os problemas do Batalhão

2. DESCRIÇÃO GERAL DOS ACONTECIMENTOS

a) A LUTA ENTRE O MPLA E A UNITA NO LUSO


No dia 15, às 19H20, quando faltava carregar a última viatura no comboio, o MPLA e a UNITA desencandearam o que há várias dias vinha sendo esperado, uma confrontação directa entre si, com forte tiroteio de armas ligeiras e pesadas. A zona prin­cipal dos combates localizou-se precisamente nas imediações da Estação dos Caminhos de Ferro, onde se encontravam as principais organizações [aquartelamentos] dos M.L.. Para o Batalhão, já todo embarcado, foram momentos particularmente difíceis, pois a qualquer momento poderia ser vítima dos disparos menos precisos e por outro lado não podia tomar qualquer iniciativa ou movimentar-se, pois não podia abandonar o material.

Os combates entre a UNITA e o MPLA continuaram pela noite dentro, intensificaram-se na manhã de sábado (dia l6) e prolongaram-se mais ou menos intensamente até domingo de manhã, quando o MPLA começou a dominar a situação.

Conseguiu-se então, com muito esforço, reunir o pessoal do C.F. necessário à marcha do comboio.

Tivemos de pedir, dar ordens, ameaçar, vencer mil obstáculos e enfrentar uma autêntica resistência passiva por parte de alguns ele­mentos do C.F. interessados em sair do Luso, sim, mas só quan­do tivessem as suas coisas prontas e os seus carros embarcados, em manifestações do mais puro egoismo e falta de caracter.

Entretanto, grande número de pessoas apavoradas, assediavam-nos com pedidos de transporte. Os casos mais urgentes eram aten­didos, à maior parte não se podia valer, pois as duas carruagens postas à nossa disposição já há muito tinham a lotação excedida.

Poucas horas antes da saída do comboio, o Presidente da Câmara do Luso, dirigiu-se-me, dizendo que queria falar com o Comandante do Batalhão em nome da população do Luso e que o comboio não devia partir antes de serem evacuados todos os civis que dese­jassem sair da cidade. Energicamente foi-lhe respondido que já fora organizada uma coluna auto com protecção militar, que durante a semana tinham circulado comboios, que, enfim, a essa população foram dadas oportunidades, precárias embora, para sair do Luso. Tinham preferido ficar na expectativa à espera do melhor, e só o terror e pavor provocado pela Guerra [Civil] os instara a querer sair precipitadamente, fazendo exigências que estavam para além da capacidade da resolução do Batalhão, até pela própria situa­ção de insegurança e inoperacionalidade em que este se encontra­va.

Pois o Sr. Presidente da Câmara chegou ao ponto de ameaçar colo­car as crianças e a população à frente do comboio para impedir a sua saída.

Finalmente, cerca das 19h00 do dia l7, o comboio saiu do Luso, no meio de boatos de que a UNITA recomposta e reforçados os seus efectivos marchava novamente sobre o Luso. O comboio era uma composição enorme, com cerca de 50 vagons puxado por 2 máquinas locomotivas, carregado de material de guerra e outro, transpor­tado em duas carruagens e espalhadas pelos outros vagons, para cima de 300 civis, na sua grande maioria mulheres e crianças.

b) A VIAGEM, O DESARMAMENTO DO PESSOAL E O SAQUE DO COMBOIO

Até à Chicala, a cerca de 2 horas de marcha, a viagem decorreu sem incidentes. Na Chicala o comboio interrompeu a marcha.

Passados momentos foi pedida a comparência de alguém do Comando do Batalhão para resolver qualquer problema que surgira. Pedi ao Capitão Guerreiro, oficial operacional, já muito habituado a contactar com os M.L., que fosse ver o que se passava. Momentos depois o Cap. Guerreiro pedia a minha comparência. Fui encontrá-lo junto do Comandante Chewale, da UNITA, o qual depois de me cumprimentar solicitou que o Batalhão lhe cedesse algumas munições. Respon­di-lhe negativamente e justifiquei com a posição de neutralidade que o Governo Português optara e o Exército devia escrupulosa­mente cumprir. Chewale replicou que a tropa portuguesa tinha ajudado o MPLA no Luso, o que veementemente neguei. Depois de mais alguns momentos de discussão sempre amena e de conversa, em que inclusivamente informámos o Comandante Chewale que dé­ramos abrigo ao Delegado da UNITA no Luso, o qual viajava connosco no comboio sob disfarce e bem assim como a dois militares da UNITA que também tinham pedido a nossa protecção, pareceu-nos que o Chewale (e ele assim o declarou) tinha compreendido e aceite a nossa posição.

Nessa condição nos despedimos dele e embarcámos no comboio aguardando o recomeço da marcha.

Passados talvez uns 5 minutos, um dos Comandantes de Com­panhia veio avisar-nos que o comboio estava impedido de reco­meçar a marcha porque a tal se opunha um Major da UNITA junto à primeira máquina, mandei o Cap. Guerreiro esclarecer o assunto, que considerei um mal entendido de somenos importância. Entretanto fui-me apercebendo da proximidade de vários elementos armados da UNITA, dum e doutro lado do comboio, os quais podiam provocar uma confrontação com os nossos soldados, já que alguns desses elementos, dando indícios de estarem fortemente drogados, tomaram atitudes provocatórias.

Resolvi tomar a iniciativa de eu próprio ir falar novamente com o Comandante Chewale. Junto ao edificio da estação encontrei o Cap. Guerreiro que falava com o tal Major da UNITA, que impedira a marcha do comboio. Quando perguntei o que se passava disse-me que queria ver as munições. Perguntei-lhe para que queria ele ver as munições "quero ver as munições" foi a resposta invariá­vel desse elemento até que o Cap. Guerreiro lhe pôs a pergunta: "você quer ver as munições ou quer as munições?".

Ele então confessou que queria as munições. Respondi-lhe que o assunto já fora discutido com o superior dele, Comandante Chewale ficando encerrado com a concordância desse seu superior hierár­quico e pedi para o contactor novamente. Respondeu que o Coman­dante Chewale já ali não estava e que agora era ele quem dava as ordens. E afastou-se abruptamente.

Procurando chegar a uma plataforma de entendimento, decidimos propor a entrega de algumas munições quando, subitamente, sem nos dar tempo a apresentar essa proposta, nos vimos rodeados de algumas dezenas de individuos completamente drogados, que apontando-nos as suas armas e em atitudes alucinadas, exi­giam as entregas das nossas. Perante o dilema e ainda na ex­pectativa de entendimento, ordenei ao pouco pessoal que me rodeava que entregasse as suas armas, pois qualquer atitude mais irreflectida poderia provocar um massacre daquele pessoal.

Entretanto procurava chamá-los à razão, mas já não me deixaram qualquer oportunidade.

Enquanto aqueles elementos, sob a ameaça das armas que a qual­quer momento podiam disparar, porque, repete-se, estavam com­pletamente drogados ou embriagados, nos obrigaram a recolher ao edificio da estação, os outros elementos que rodeavam o comboio e que, cada vez em maior número saíam da escuridão, ante a perplexidade dos nossos militares, os assaltavam e exigindo-lhes as armas. Foi então que se houviu um tiro, não se sabe dispara­do por quem, o que imediatamente provocou forte fuzilaria.

Nas carruagens e nos vagons onde haviam mulheres e crianças imediatamente se estabeleceu o pânico. Um massacre poderia estar iminente não só entre a população civil como entre os nossos militares muitos dos quais já estavam desarmados e, se não quisermos agora, neste momento e mais friamente, ser tão pessimistas, teremos de admitir no minimo um número elevado de mortes, já que a nossa posição, dentro do comboio, era absolutamente vulnerável.

Decidi então debaixo do tiroteio tentar falar novamente com o já referido Major da UNITA. Saí do edificio e auxiliado por um militante da UNITA que encontrei, por ele me deixei conduzir. Encontrei o tal Major junto dumas edificações rodeadas pelos seus homens que, enquanto falava com ele, dizendo-lhe que era preciso acabar com o fogo, nunca deixaram de me apontar as suas armas e de me ameaçar de morte.

Conseguiu-se parar o fogo, mas não mais dialogar. O restante pessoal foi rapidamente desarmado e imediatamente uma multi­dão começou a saquear os vagons. Primeiro só as armas e munições, depois tudo o que apanhavam à mão e despertava a sua cobiça.

Procurei novamente falar com o Comandante Chewale e um militante da UNITA ainda me acompanhou até junto de uma cerca onde, ao fundo, havia sinais de estar gente. Mandou-me esperar e não mais apareceu, até que, empurrado e ameaçado, tive que voltar para junto do comboio.

A meio da madrugada o comboio reiniciou a marcha, para ser detido novamente na estação seguinte: CANGUMBE. O que restava de armas e munições foi descarregado, caixotes foram abertos, diziam que à procura de armas sob o mesmo pretexto, nem as bagagens pessoais escapavam. Os vagons com as viaturas foram desatrelados e desviados para um ramal. Sob o pretexto de que um Furriel, proprietário de uma viatura civil que vinha em cima de uma Berliet, andara aos tiros no Luso contra a UNITA, foi este indivíduo sovado selvaticamente e arrastado para longe do comboio. Receando o pior fui no encalço do grupo e quando me aproximei e verberei o seu procedimento, fui também agredido a soco e pontapé, não tendo conseguido arrancar o Furriel das mãos dos seus agressores. Só pouco antes do comboio partir, o referido Furriel foi liberto em lastimoso estado fisico. Novamente procurámos contactar responsáveis de UNlTA para fazer-lhes sentir a responsabilidade que sobre eles pesava, pelo acto que esta­vam a praticar contra uma Unidade do Exército Português, mas esses dirigentes não se revelaram nunca. Só a turba, cega pela cobiça da pilhagem e pela droga, nos enfrentara e ameaçava a qualquer protesto mais enérgico.

E foi assim no resto do percurso, com paragem em todas estações e apeadeiros, com mais buscas e ameaças, uma viagem alucinante que a todos traumatizou e marcou.

Pelas 9H00 de 19AGO75 o comboio chegou finalmente a Nova Lisboa, tendo imediatamente sido apresentado relato verbal mas forçosamen­te incompleto ao Comandante Interino do CTLIS do pesadelo porque acabava de passar o BART 6221/74.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A retirada do BART 6221/74 do Luso foi pensada (?) e decidida sem ter em conta dois factores que considero determinantes na acção desenvolvida pela UNITA contra o Batalhão e na (não) actuação deste.

O carregamento de armas e munições [milhares de armas e toneladas de munições pertencentes à OPVDC [Organização Provincial de Voluntários e Defesa Civil], à Polícia e aos Caminhos de Ferro de Benguela, que transportávamos era um isco demasiado precioso e aliciante para que o pudéssemos passear impunemente através de 600 Km, de Território controlado pela UNITA e onde este Movimento localiza as suas principais bases, sabendo-se como se devia saber, pelo menos aqueles que, pelas suas funções e tempo de serviço em Angola, melhor deviam conhecer o problema a necessidade que este Movimento tinha de armas e munições e a cobiça que as mesmas lhes despertavam.

Por outro lado a população civil transportada, as condições em que esse transporte se processava, com carruagens apinhadas e pessoas espa­lhadas pelas vagons juntamente com os militares, conjuntamente com a dispersão dos militares por dezenas de vagons e ainda o facto dos acontecimentos se terem desenrolado de noite, o ter-se acreditado na palavra do Comandante Chewale, um individuo que pelas suas funções na UNITA nos merecia um mínimo de crédito e principalmente ter-se acreditado, que o Exército Português ainda merecia por parte dos Movimentes um mínimo de respeito e consideração (e este foi, no meu julgamento auto-crítico o meu grande erro) que de antemão tornaria inviável uma acção do género da desenvolvida.

Todos estes factores explicam a (não) actuação do Batalhão na emergência. Se a UNITA estava, como os factos confirmaram, disposta a apoderar-se das armas e munições, qualquer tentativa violenta para o evitarmos ter-se-ia saldado, não temos dúvidas, com muitos mortos e feridos, sem hipóteses de qualquer auxilio, que não foi previsto em tempo útil, e de consequências mais que duvidosas quanto ao destino final da carga. Nas condições em que foi decidida, sem ter em consideração factores determinantes e que em absoluto exigiam o planeamento de uma operação à escala superior (nunca a nível Batalhão), com os condicionalismos de toda a ordem e que procurei evidenciar ao longo deste relatório, era uma operação condenada ao fracasso, a partir do momento em que o inimigo (que se julgava não existir) a contrariasse decididamente. E foi isso que sucedeu: um “inimigo" de fraco valor militar, indisciplinado, drogado e inconsciente, mas por tudo isso altamente perigoso, decidiu apoderar-se dos materiais transportados. O Batalhão, mal preparado sobre o ponto de vista operacional, com o pessoal desmotivado para qualquer género de acção violenta, em situação critica dentro de um comboio em que viajavam muitos civis, poderia mesmo assim, ter reagido, com os riscos que tal atitude envolveria. Não o fez. Ficará de pé para quem não esteve presente, a duvida se não seria essa a decisão acertada. Para nos, não era.

ANEXOS

1. MAT. GUERRA
2. MAT. AQUARTELAMENTO
3. ARTIGOS DE CANTINA RANCHO
a. Víveres normais
b. Víveres especiais (R/C)

Quartel em N. Lisboa, 19 de Agosto de 1975

O COMANDANTE

JOÃO MANUEL DE FARIA M. AMARO
TEN.COR.DE ARTa.
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REGIÃO MILITAR DE ANGOLA 

BATALHÃO DE ARTILHARIA N 6221/74 2ª COMPANHIA

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COLUNA AUTO PARA ESCOLTA DE REFUGIADOS DO LUSO PARA NOVA LISBOA


Em 12AGO75 saiu do Luso uma coluna com cerca de 200 veículos civis escoltada pela 2ª CART/BART 6221/74, transportada em 3 Berliets e 3 carros pesados civis. Se­guiam também na coluna 2 auto-niveladoras.

As 11h00 a coluna chegou a CANGUMBE, um dos quartéis da UNITA, onde a coluna foi interceptada e cercada por alguns milhares de militares armados daquele Movimento. Após algumas horas de conversações com os responsáveis, permitiram que a coluna partisse, mas antes fizeram uma revista aos carros civis. Depois da revista a coluna seguiu.

Depois daquela povoação, devido ao piso muito arenoso, a coluna começou a deslo­car-se lentamente sendo necessário que as auto-niveladoras abrissem novas picadas e a maio­ria dos carros tiveram que ser rebocados um a um, havendo a louvar o esforço dos nossos milita­res incansáveis a empurrar as viaturas civis. Pernoitamos entre CANGUMBE e CANGONGA,

No dia 14 ao anoitecer a coluna chegou a CANGONCA onde foi interceptada por militares da UNITA que após uma troca de impressões com os responsáveis não levantaram problemas. Pernoitamos fora da povoação.

No dia 15 à tarde atingimos MUNHANGO onde não houve problemas de passagem. Como faltassem alimentos à coluna e como não conseguíamos comunicar com LUSO nem com NOVA LISBOA, foram pedidos alimentos a NOVA LISBOA via rádio dos CPB. O nosso apelo não foi atendido. Pernoitámos fora da localidade.

No dia 16 pernoitámos entre MUNHANGO e CUEMBA.

No dia 17 a coluna atingiu CUEMBA onde não parou, indo formar-se a cerca de 30 Km depois da povoação. Ao entardecer, com a coluna parada, fomos interceptados por um Capitão da UNITA que começou a levantar problemas. Entretanto surgiu o Major Se­verino da UNITA que se insurgiu contra aquele Capitão e nos mandou seguir. Com o problema resolvido e como a estrada já era boa e havendo grande número de crianças na co­luna sem leite nem alimentos procurou-se atingir GENERAL MACHADO [actual Camacupa] onde havia hipótese de adquirir estes alimentos. Junto à ponte sobre o QUANZA, perto dum quartel da UNITA aí existente, a coluna caiu numa emboscada preparada pelos militares da UNITA. Era ao anoitecer. Assaltaram o Land Rover das transmissóes que seguia â frente junto aos car­ros ligeiros, não tendo estes possibilidades de alertar o resto da coluna. Dado o elevado número de militares armados da UNITA que surgiram de todos os lados não foi possível resistir. Por outro lado dada a dispersão de militares em pequenos grupos espalhados ao longo da coluna foi impossível reagir. Além disso, também dado o número eleva­do de crianças e mulheres que seguiam na coluna qualquer resistencia nossa provocaria um morticínio total dado que estávamos emboscados dos dois lados da via, por grande número de militares da UNITA.

AI fomos desarmados, revistados e alguns de nós barbaramente espancados, sendo roubado todo o material rádio, material de guerra, equipamento, fardamento, artigos pessoais, géneros, etc. Os homens de transmissões que seguiam no Land Rover foram barbaramente espancados tendo de ser socorridos no Hospital de GENERAL MACHADO em es­tado de choque. Alguns graduados foram enxovalhados e desumanamente agredidos. A se­guir ao desarmamento, a coluna sofreu as piores sevícias, pois foi obrigada a parar em cada local onde existiam elementos da UNITA ou FNLA e os carros revistados sistematicamente, assim como foram roubados poucos haveres pessoais que ainda restavam.

No dia 18, pelas 18H00, a coluna chegou a NOVA LISBOA.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

– Numa coluna com cerca de 200 viaturas civis, escoltada por cerca de 100 homens sem apoio de qualquer ordem, num território totalmente dominado pela UNITA, onde en­contrámos algumas dezenas de milhares de militares armados deste Movimento, tudo seria de esperar.

– Há a acentuar o facto de termos sido atacados de imprevisto ao anoitecer, só dando conta do facto depois de estarmos totalmente cercados por militares daquele Movimen­to.

– Qualquer tentativa de reacção do nosso lado seria um suicídio, dado o elevado número de mulheres e crianças que vinham na coluna, na grande dispersão dos nossos militares ao longo da mesma, em pequenos grupos e dado o elevado número de milita­res armados da UNITA.

– Há a acentuar a ausência de efectivos militares Portugueses entre LUSO e NOVA LISBOA, numa extenção de cerca de seiscentos KMs, havendo a acrescentar que as tro­pas que estavam em SILVA PORTO [actual Kuito] tinham sido evacuadas antes da nossa saída do LUSO e não nos sendo proporcionado qualquer auxilio em efectivos militares entre LUSO e NO­VA LISBOA.

– Dada a grande distância entre os quartéis mais próximos e dado aos acidentes do terreno não foi possível o contacto, via rádio, com qualquer Unidade Militar.

– O único auxílio pedido através de rádio dos C.F.B. a NOVA LISBOA nao foi atendido, sabendo-se que estávamos sem géneros e havia muitas crianças e mulheres na coluna, o que em parte nos obrigou a andar até ao anoitecer, porque havia crianças sem leite e sem qualquer outro alimento.

MATERIAL FURTADO

................... segue-se a descrição exaustiva do material roubado pela UNITA....................

Quartel em Nova Lisboa,    de Agosto de 1975

(Sem assinatura)

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sexta-feira, 13 de junho de 2014

O “MISTÉRIO” DO GUIÃO-BRASÃO DO BART 6221/74


O “MISTÉRIO” DO GUIÃO-BRASÃO 
DO BART 6221/74

Sempre me interroguei porque é que nunca vi em lado algum o “símbolo”/”bandeira”/”brasão” ou “guião” do BART 6221/74 enquanto estivemos em Angola (ou mesmo antes). Depois de ter encontrado a comunicação/convocatória de Alpoim Inácio e Eduardo Maia – no blogue Guerra do Ultramar – para o 20º Encontro Anual do Batalhão, deste ano em Peraboa, em que se exibe um Guião como sendo o do BART 6221/74, fiquei a perceber que tal Guião existia – embora seja o mesmo também atribuido a outros Batalhões, mudando apenas as designações. Isto depois de ter desenhado alguns brasões/guiões que não têm muito a ver com o simbolismo militar oficial.

Após algumas pesquisas e chatear “meio mundo” do Regimento de Artilharia do Porto (RAP2), actual Regimento de Artilharia 5 (RA5), consegui uma resposta por email, que me esclareceu por completo:

Caro Sr. Jorge Machado Dias,

Sou Sargento Chefe de Artilharia, de nome Floriano Neto, prestando serviço no Museu Militar do Porto, tendo após algumas deambulações chegado até mim a incumbência de saber se existe ou não o Guião do referido BArt.

O referido BArt existiu realmente tendo embarcado para Angola a 9 de Maio de 1975
[penso que foi a 16 e não a 9] tendo estado no Luso e em Nova Lisboa, sendo constituído pelas 1ª, 2ª e 3ª Companhias e penso que também por uma CCS.

O referido Guião não existe no RA5 (nome atual do RAP2), onde prestei serviço durante muitos anos tendo sido o responsável pela Coleção Visitável da Unidade durante vários anos, sendo por isso conhecedor de todo o espólio lá existente. Também não existe no Museu Militar do Porto (existem outros mas não esse). Existe sim no RA5 o Guião do BArt 6221/72, pelo que por analogia deste e de outros similares lá existentes julgo que o Guião que procura deve ser semelhante àquele apenas mudando o ultimo algarismo.

Sem mais,
Floriano Neto
SCH ART RES


O Guião do BART 6221/72, referido pelo Sargento Chefe Floriano Neto

Portanto, o Guião que se exibe na comunicação/convocatória de Alpoim Inácio e Eduardo Maia acima referida, é mesmo o Guião oficial do BART 6221/74. Contudo o péssimo desenho do mesmo e algumas configurações contrárias aos pressupostos da heráldica, levaram-me a redesenhar todo o “brasão”, desenho esse que apresento abaixo. Acabei mesmo por substituir o “leão” armorial do topo – com uma granada nas “mãos” –, porque o que se vê na imagem original (penso que de 1974), mais parece um cão rafeiro que um leão. O “leão” que utilizo é o mais comum nos emblemas heráldicos – não sei onde foram buscar aquele estranho animalejo para o “nosso” Guião...

O Guião que se exibe na comunicação/convocatória de Alpoim Inácio e Eduardo Maia acima referida.

O mesmo Guião redesenhado por mim...

 Dois brasões idealizados e desenhados por mim antes de saber que existia um Guião oficial...
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Entretanto criei uma página no Facebook denominada:
BART 6221/74 - OS ÚLTIMOS NO LESTE DE ANGOLA 1975
A que se pode aceder clicando no link abaixo:

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