BART 6221/74 - A HISTÓRIA DO BATALHÃO DE ARTILHARIA 6221/74 - ANGOLA 1975

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

PREÂMBULO – PARA UMA HISTÓRIA DE ANGOLA (PARTE 1)

Mapa de Angola da época do Estado Novo - talvez dos anos de 1960...

PREÂMBULO
PARA UMA HISTÓRIA DE ANGOLA (PARTE 1)

Depois de ler o livro de Samuel Chiwale, Cruzei-me com a História, e de ter lido na Introdução deste livro a expressão do autor “o nosso querido País”, referindo-se obviamente a Angola, não pude deixar de me questionar qual é hoje a noção dos angolanos sobre como foi construído, o “querido País” deles. Sem querer sequer questionar o legítimo direito dos povos angolanos à Independência, é preciso que se comece por afirmar que tudo aquilo que “herdaram” em 1975 foi construido pelos portugueses! Não só a orgânica administrativa do território, que foi sendo desenhado e conquistado – já agora – nos cem anos anteriores à Independência, à mesa das secretarias de Lisboa e de negociações internacionais, como a Conferência de Berlim, em 1884/1885, onde foram estabelecidas as fronteiras que actualmente possui.

Se não tivesse havido a colonização portuguesa, Angola provavelmente nem existiria hoje como tal. Começando logo pelo nome do País, Angola deriva do título de um pequeno chefe local – o N’Gola, ou Ngola – da região de Luanda (Loanda originalmente), quando os portugueses fundaram a cidade em 25 de Janeiro de 1576 (há precisamente 438 anos) pelo fidalgo e explorador português Paulo Dias de Novais, com a designação de São Paulo da Assunção de Loanda. E depois, a língua portuguesa: Angola é uma amálgama de dez grupos liguísticos diferentes, sendo 9 de origem bantu, a que residualmente no Sul, se junta o khoisan. Acredito que, não fosse a língua portuguesa, ninguém se entenderia em Angola, ou quase...

Deparando, nas pesquisas que fui fazendo, com o incontornável vazio de uma qualquer “História de Angola” editada – apesar de haver em Angola historiadores e pesquisadores de elevada craveira, com obras parcelares relevantes publicadas, mas sem uma obra de síntese geral da História do país –, comecei a redigir este preâmbulo, destinado aos interessados em Portugal, para incluir (numa versão obviamente mais reduzida) no livro sobre a Retirada do Exército Português do Leste de Angola – 1975. Isto porque penso ser necessário perceber-se o que se passou “antes”, para se entender o que se passou “depois”...
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OS POVOS BOSQUÍMANOS E HOTENTOTES

Khoisan ou Khoi-San (também grafado como coisã, ou coissã) é a designação unificadora de dois grupos étnicos existentes no sudoeste de África, que partilham algumas características físicas e linguísticas distintas da maioria bantu. Esses dois grupos são os san, também conhecidos por bosquímanos ou boximanes e que são caçadores-coletores, e os khoikhoi, que são pastores e que foram chamados hotentotes pelos colonizadores europeus. Aparentemente, estes povos têm uma longa história, estimada em vários milhares (talvez dezenas de milhares) de anos, mas que actualmente estão reduzidos a pequenas populações, localizadas principalmente no deserto do Kalahari, na Namíbia, mas também no Botsuana e em Angola.

Os khoikhoi e os san actuais serão, tudo leva a crer, descendentes de povos caçadores-colectores que habitavam toda a África Austral e que desapareceram com a chegada dos bantu a esta região, há cerca de 2.000 anos. Não é provável que os bantu tenham exterminado os khoikhoi e os san, uma vez que algumas das suas características linguísticas e físicas foram assimiladas por vários grupos bantu, como no caso dos xhosas e dos zulus. É mais provável que a redução do seu território de caça, derivado da instalação dos agricultores bantu, tivesse sido uma causa para a redução do seu número e da sua área habitada. Até à instalação dos holandeses na África do Sul, há cerca de 200 anos, estes povos ainda povoavam grandes extensões da Namíbia e do actual Botswana.

Estes colonos [holandeses] designaram os khoikhoi por hotentotes – que significa "gagos" na língua neerlandesa, provavelmente devido à sua língua peculiar. Os san foram por muito tempo designados bosquímanos ou seja "homens do mato", termo emprestado de bushman em inglês.

Hoje em dia há uma população san significativa na Namíbia onde a sua língua tem um estatuto oficial, sendo utilizada no ensino até ao nível universitário. Comunidades menores existem também no Botsuana e no sul de Angola.

Fisicamente, os khoisan são em média mais baixos e esguios que os restantes povos africanos. Além disso, possuem uma coloração de pele amarelada e prega epicântica nos olhos, como os chineses e outros povos do Extremo Oriente. Algumas destas características são agora comuns a outros grupos étnicos sul-africanos, devido à miscigenação, sendo patentes por exemplo na fisionomia de Nelson Mandela.

Uma outra característica física dos khoisan é a esteatopigia das mulheres (grande desenvolvimento posterior das nádegas), que levou a que uma mulher tivesse sido levada para a Europa no século XIX e usada para exibição em feiras, a famosa Vénus Hotentote.

Mulher khoisan - imagem publicada na Europa em 1811

Os khoisan possuem o mais elevado grau de diversidade do ADN mitocondrial de todas as populações humanas, o que indica que eles são uma das mais antigas comunidades humanas. O seu cromossoma Y também sugere que, do ponto de vista evolucionário, os khoisan se encontram muito perto da raiz da espécie humana.

De acordo com um estudo genético autossomico de 2012, os khoisan podem ser divididos em dois grupos, correspondentes às regiões noroeste e sudeste do Kalahari, os quais se separaram por volta dos últimos 30.000 anos. Todos os indíviduos testados na amostra apresentaram ancestralidades de populações não-khoisan, que foram introduzidas no período de 1.200 anos atrás, como resultado da expansão bantu. Além disso, os hadzas, um grupo de caçadores-coletores do Leste da África, que também utilizam uma língua baseada em cliques (como a dos khoisan), possuem um quarto de sua ancestralidade vindos de uma população relacionada com os khoisan, revelando uma ligação genética antiga entre o Sul da África e o Leste da África. Ou seja, as populações khoisan de Angola e da Namíbia ter-se-iam separado das da África do Sul entre 25.000 e 40.000 anos atrás.

OS POVOS BANTU

Bantu ou banto (forma preferível a bantus) constituem um grupo etnolinguístico localizado principalmente na África subsariana e que engloba cerca de 400 subgrupos étnicos diferentes. A unidade desse grupo, contudo, aparece de maneira mais clara no âmbito linguístico, uma vez que essas centenas de subgrupos têm como língua materna uma língua da família bantu.

Os bantu são provavelmente originários dos Camarões e do sudeste da Nigéria [talvez do delta do rio Níger]. Por volta de 2.000 a.C., começaram a expandir o seu território na floresta equatorial da África central, provavelmente impelidos pela desertificação do Sahara, e pela consequente pressão dos saharauis que emigraram para aquela região, eles foram forçados a espalhar-se pelas florestas tropicais da África central.

Mais tarde, por volta do ano 1.000 a.C., ocorreu uma segunda fase de expansão mais rápida, para o leste, e finalmente uma terceira fase, já nos primeiros 500 anos da era actual, em direção ao sul do continente, quando os bantu se miscigenaram com os precedentes e com outros povos, constituindo novas sociedades.

As fases de deslocação dos bantu

DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA 

Os bantu distribuem-se, no continente africano, no sentido oeste-leste, desde os Camarões e o Gabão às ilhas Comores; no sentido norte-sul, do Sudão à África do Sul, cobrindo toda a parte meridional da África, onde somente os bosquímanos e os hotentotes têm línguas de origens diferentes.

Enquanto os bosquímanos e hotentotes eram nómadas caçadores-colectores e pastores, os bantu eram agricultores sedentários e já conheciam o uso do ferro. Esses avanços permitiram- lhes colonizar um amplo território, ao longo de aproximadamente quatro mil anos, forçando o recuo dos povos nomadas. No entanto, os bantu absorveram alguns fenómenos linguísticos típicos das línguas khoisan.

Embora não existam informações precisas, o subgrupo etnolinguístico bantu mais numeroso parece ser o zulu. A língua zulu é a mais falada na África do Sul, onde é uma das 11 línguas oficiais. Mais da metade dos 50 milhões de habitantes daquele país é capaz de compreendê-la; mais de 9 milhões de pessoas têm o zulu como língua materna, e mais de 15 milhões falam o zulu fluentemente.

Todos os subgrupos étnicos falam línguas pertencentes à mesma família linguística, a das línguas bantas, a qual, por sua vez pertence à família linguística nígero-congolesa. Em muitos casos, esses subgrupos têm costumes comuns.


EM ANGOLA 

Na Lunda, no Zaire e no Cuangar foram encontrados instrumentos de pedra e outros, dos homens do Paleolítico. No Deserto do Namibe foram encontradas gravuras rupestres nas rochas. Trata-se das gravuras do Tchitundo-Hulo, atribuídas aos antepassados dos san.

Como vimos atrás, nos primeiros quinhentos anos da era actual, as populações bantu da África Central, que já dominavam a siderurgia do ferro, iniciaram uma série de migrações para sul, a que se chamou a grande expansão bantu. Parte destas populações fixaram-se a Norte e a Sul da parte inferior do Zaire (a palavra Zaire é o resultado de uma má pronúncia dos portugueses quando lá chegaram, do termo kikongo nzere ou nzadi "o rio que traga todos os rios"), portanto também no Noroeste do território da actual Angola. Com o tempo, estas populações constituíram o povo Bakongo, de língua Kikongo. Outras populações fixaram-se inicialmente na região dos Grandes Lagos Africanos e, no século XVII, deslocaram-se para oeste, atravessando o Alto Zambeze até ao Cunene: eram os grupos hoje designados como ngangela, mas também os Ovambo e os Xindonga.

No ano de 1568, entrava um novo grupo pelo norte, os jagas, que combateram os Bakongo que os empurraram para sul, para a região de Kassanje. No século XVI ou mesmo antes, os nhanecas (vanyaneka) entraram pelo sul de Angola, atravessaram o Cunene e instalaram-se no planalto da Huíla.

No mesmo século XVI, um outro povo abandonava a sua terra na região dos Grandes Lagos, no centro de África, e veio também para as terras angolanas. Eram os hereros (ou ovahelelos), um povo de pastores. Os hereros entraram pelo extremo leste de Angola, atravessaram o planalto do Bié e depois foram-se instalar entre o Deserto do Namibe e a Serra da Chela, no sudoeste angolano.

Também no século XV chegam, por via marítima os portugueses que, já no século seguinte se instalam na região e fundam São Paulo da Assunção de Loanda, a actual cidade de Luanda [veremos esta fase com mais detalhe na parte 2 deste texto].

Já no século XVIII, entraram os ovambos (ou ambós), grandes técnicos na arte de trabalhar o ferro, deixaram a sua região de origem no baixo Cubango e vieram estabelecer-se entre o alto Cubango e o Cunene. No mesmo século, os quiocos (ou kyokos) abandonaram o Catanga e atravessaram o rio Cassai. Instalaram-se inicialmente na Lunda, no nordeste de Angola, migrando depois para sul.

Finalmente, já no século XIX apareceu o último povo que veio instalar-se em Angola: os cuangares (ou ovakwangali). Estes vieram do Orange, na África do Sul, em 1840, chefiados por Sebituane, e foram instalar-se primeiro no Alto Zambeze. Então chamavam-se macocolos. Do Alto Zambeze alguns passaram para o Cuangar no extremo sudoeste angolano, onde estão hoje, entre os rios Cubango e Cuando.

As guerras entre estes povos eram frequentes. Os migrantes mais tardios eram obrigados a combater os que estavam estabelecidos para lhes conquistar terras. Para se defenderem, os povos construíam muralhas em volta das sanzalas. Por isso, há em Angola muitas ruínas de antigas muralhas de pedra. Essas muralhas são mais abundantes no planalto do Bié e no planalto da Huíla, onde se encontram, também, túmulos de pedra e galerias de exploração de minério, testemunhos de civilizações mais avançadas do que geralmente se supõe.

Distribuição dos actuais grupos linguísticos em Angola

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1 comentário:

  1. Mais um excelente trabalho!
    Por este andar o Blogue ainda se vai tornar numa referência da História de Angola!...

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